A
marmelada é um doce confeccionado em todo o país.
A
marmelada branca é um doce exclusivo de Odivelas, tendo sido confeccionado no
mosteiro das Bernardas, que sempre guardaram o segredo que lhes permitia obter
um doce de cor muito clara, próximo do branco, mas não exactamente branca.
A
marmelada branca era oferecida aos convidados e visitadores desta comunidade
nos dias festivos, sobretudo nos outeiros organizados pelas freiras e aos quais
acorriam os cortesãos e poetas.
Nestas
ocasiões a marmelada oferecida tinha a forma de quadradinhos e pegava-se nela à
mão como qualquer bolo seco.
O
segredo só foi desvendado depois da morte da última freira, em finais do século
XIX, quando faleceu a última freira, porque ela deixou um caderno de receitas
escrito pela sua mão a uma sua afilhada, onde além de muitos outros doces deste
mosteiro estava escrita a receita da marmelada branca.
É
um documento que garante a autenticidade da marmelada branca. Todas as
variantes, mesmo com poucas alterações, são aproximações… Apareceram algumas
pessoas que afirmam fazerem esta marmelada e estão sinceramente convencidas
disso, mas se cotejarmos as receitas verificamos que há diferenças, às vezes
ligeiras, mas que são suficientes para serem apenas imitações, embora seja
também de boa qualidade e até muito parecida.
Que
é um doce com origem no mosteiro de Odivelas e que apenas esta marmelada era
famosa, basta citarmos alguns autores que referindo-se aos doces de vários
conventos, só mencionam a marmelada quando falam das bernardas de Odivelas.
Em
abono do que afirmo, aconselho a consulta das seguintes obras, de que vou fazer
transcrições:
1
. – As minhas queridas freirinhas de Odivelas; autor – Manuel Bernardes Branco
(pags 15 a 21); “E era então que as freiras mostravam até à evidência…..quão
peritas eram na arte de fazer doces, na qual não tinham rivais na composição
dos famosíssimos e dulcíssimos:
Manjar
real, manjar branco, suspiros, marmelada, esquecidos, bolo
podre.”
2
. – O Mosteiro de Odivelas, casos de Reis e memórias de Freiras; autor – A. C.
Borges de Figueiredo (pags 45): “Nesta cozinha, ampla e bem disposta, variadas
doçarias se manipulavam: a famosa marmelada, os apreciados fartens, os
saborosos esquecidos….os elevados penhascos, o celebrado tabefe…..”
3
. – Depois do Terramoto, subsídios para a História dos Bairros ocidentais de
Lisboa, volume III, (pags 425 a 427): “Mas a todas levavam as lampas as
bernardas ricas de Odivelas. As galantes e aristocráticas freirinhas….foram
inatingidas no fabrico da marmelada – a sua coroa de glória…..”
4
. – O livro das receitas da última Freira de Odivelas, com actualização e notas
de Maria Isabel de Vasconcelos Cabral (receita n.º 14).
Este
livro é a transposição para português actual, das receitas manuscritas pela
freira.
Vou
transcrever a receita, tal como está manuscrita pela última freira, no seu
caderno: “Marmelada branca
Vão-se
esbrugando os marmelos e deitando-os em água fria. Põe-se a ferver em lume
brando, estando bem cozidos se passam por peneira. Para 1kg de massa 2kg de
açúcar em ponto alto de sorte que deitando uma pinga n´agua coalhe; tira-se o
tacho do lume e se lhe deita a massa muito bem desfeita com a colher, torna ao
lume até levantar empolas. Tira-se para fora e se bate até esfriar, para se pôr
em pratos a secar.”
Esta
é que é a receita das freiras.
Chamo
à atenção para não ser totalmente exacta a transcrição que vem no livro editado
pela Verbo.
Enquanto
que a freira diz que era deitada em pratos, a pessoa que transcreveu diz que se
deita em taças, mas não é a palavra taças que vem na receita.
Este
pormenor revela um certo desconhecimento em relação à forma que a marmelada ia
ter para ser oferecida aos convidados. O prato permitia que depois de seca
fosse partida em quadrados que seguidamente se iam virando para secar em todas
as faces de forma a ser pegada à mão como os bolos. Se fosse deitada em taças
isso não seria fácil.
A
marmelada branca não era para barrar pão, mas para se comer como um bolo.
O
segredo é este – escolhiam-se marmelos ainda com a cor verde, descascavam-se e
iam-se logo metendo em água fria para não escurecerem.
O
peso do açúcar era o dobro do peso da massa de marmelo. (ver a receita
manuscrita).
Só
assim a marmelada ficava com uma cor muito clara.
Duas
razões para a marmelada branca ser exclusiva de Odivelas:
1.º
a receita manuscrita pela freira é prova mais que suficiente;
2.º
ser referida pelos escritores (que falam de doces conventuais), apenas em
Odivelas.
Lamento
decepcionar aqueles que fazem reportar a marmelada aos tempos do rei D. Dinis.
Nesse tempo ainda não se fazia marmelada, nem sobremesas doces.
O
açúcar era um produto muito caro e raro, considerado uma iguaria e até
medicamento, sendo o seu uso muito restrito. Figurava em testamentos de reis e
de altos dignitários, como dádiva de valor.
Pensa-se
que a cana de açúcar seja originária da Índia e até ao século XIII foi pouco
divulgada na Europa. A difusão deste produto exótico deve-se aos árabes. Na
Idade Média, o preço e a quantidade em circulação, fizeram dele um privilégio
de ricos. Foram os portugueses que “democratizaram” o seu uso, quando se passou
a produzir em grandes quantidades no Brasil, de 1530 a 1640, aumentando sempre
a produção daí em diante. O cultivo que antes se tinha feito no Algarve,
Madeira e Açores, não foi suficiente para se tornar um produto de consumo
corrente, acessível a todas as bolsas. Só os engenhos brasileiros produziram
“para todos”.
Sendo
a marmelada um produto “popular”, só pode aparecer depois de o açúcar também
ser popular.
Admito
que as freiras terão iniciado um processo de aperfeiçoamento que chegou a
distingui-la da vulgar marmelada. Elevaram-na à categoria de ser digna de ir à
mesa de reis e nobres, mas D. Dinis nunca comeu marmelada, nem mesmo a
“marmelada branca”.
Dra.Maria Máxima Vaz
retirado de: http://odivelas.com/2010/03/21/marmelada-branca-de-odivelas/
Receita
manuscrita da marmelada de Odivelas
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