quinta-feira, 29 de maio de 2014

DIA DA ESPIGA.



Diz o adágio popular: "Cada terra com o seu uso... cada roca com o seu fuso". Também por esta região se comemora (ou comemorava) o dia da espiga.

O Dia da Espiga, coincidente com a Quinta-feira da Ascensão, é uma data móvel que segue o calendário litúrgico cristão. Mas, se atualmente poucas são as pessoas que ainda vão ao campo nessa quinta-feira, abandonando as suas obrigações, para apanhar a espiga, ou que se deslocam às igrejas para participar nos preceitos religiosos próprios da data, tempos houve em que, de norte a sul do país, esta foi uma data faustosa, das mais festivas do ano, repleta de cerimónias sagradas e profanas, que em muitas zonas implicava mesmo a paragem laboral. A antiga expressão “no Dia da Ascensão nem os passarinhos bolem nos ninhos” deriva dessa tradição.
A Igreja de Roma, à semelhança do que fez com outras festas ancestrais pagãs, cristianiza depois a data e esta atravessa os tempos com uma dupla aceção: como Quinta-feira de Ascensão, para os cristãos, assinalando, como o nome indica, a ascensão de Jesus ao Céu, ao fim de 40 dias; e como Dia da Espiga, ou Quinta-feira da Espiga, esta traduzindo aspetos e crenças não religiosos, mas exclusivos da esfera agrícola e familiar.
O Dia da Espiga é então o dia em que as pessoas vão ao campo apanhar a espiga, a qual não é apenas um viçoso ramo de várias plantas - cuja composição, número e significado de cada uma, varia de região para região –, guardado durante um ano, mas é também um poderoso e multifacetado amuleto, que é pendurado, por norma, na parede da cozinha ou da sala, para trazer a abundância, a alegria, a saúde e a sorte. Em muitas terras, quando faz trovoada, por exemplo, arde-se à lareira um dos pés do ramo da espiga para afastar a tormenta.
Não obstante as variações locais, de um modo geral, o ramo de espiga é composto por pés de trigo e de outros cereais, como centeio, cevada ou aveia, de oliveira, videira, papoilas, malmequeres ou outras flores campestres. E a simbologia de cada planta, comummente aceite, é a seguinte: o trigo representa o pão; o malmequer o ouro e a prata; a papoila o amor e vida; a oliveira o azeite e a paz; a videira o vinho e a alegria; e o alecrim a saúde e a força.
Retirado de:

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Calçada de Carriche.



Calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão, in 'Teatro do Mundo'


terça-feira, 13 de maio de 2014

domingo, 11 de maio de 2014

O homem do saco versus ferro velho.


Em todas as terras havia, não sei se ainda existem, uns homens que andavam sempre com uma “sacola” de sarapilheira às costas. Também por aqui existiram, em tempo já idos, personagens semelhantes. Os tempos eram outros e uma forma de alguns homens arranjarem dinheiro era andar de lugar em lugar, de porta em porta, à “cata” de alguma coisa velha que lhe pudesse render uns “cobres”. Andarilhos da vida dormiam onde calhava conforme as estações do ano. Alguns acabavam por ficar, chegada a velhice, num dos lugarejos onde alguém, por certo, lhes daria uma “bucha” ou um prato de sopa. A sua fisionomia era, em geral, de ar pesado e carrancudo. Não me admira, hoje, que assim fossem. “Gastos pela vida” pouca, ou nenhuma, razão teriam para andar de cara risonha.
Desde que me lembro, o “homem do saco” era uma figura utilizada pelas mães, e ou avós, para fazerem prevalecer as suas razões.
- Se não comeres a sopa chamo o “homem do saco” e ele leva-te!...
Coitado do “homem do saco”… pouco lhe importaria se a criança quisesse ou não… comer a sopa!..


Adaptação do poema por Alexandre O'Neill
Poema (original) e musica de Joan Manuel Serrat

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Dos saltimbancos e circos de outrora.

(Filme português: Os Saltimbancos)
(Retirado de: http://pauloborges.bloguepessoal.com/)

A primeira vez que vi um espetáculo circense deveria ter 6 ou 7 anos. Tratou-se de uma “troupe” de saltimbancos que por ali (Bons-Dias) passou a caminho de Caneças. Atuaram num largo que ainda hoje existe e bem perto da casa onde morava e que tinha uma tasca defronte. As imagens que guardo dessa altura... é a de ver dois ou três “artistas”,  já com os fatos um tanto ou quanto gastos , muito magros e que executaram alguns números de malabarismo com bolas e com aquela “espécie de garrafas” (soube mais tarde que se chamavam “massas”). Fizeram também um número de equilibrismo entre dois deles. Foi mais ou menos isto que me ficou na memória. Isto e no final da “representação”... Haver um deles que com um chapéu recolheu algumas moedas dadas pela pequena assistência presente. As suas caras no final ficaram sérias... tal como antes do espetáculo.  E lá partiram, de sacos às costas, a caminho de Caneças (sinceramente não sei se por aquela altura haveria alguma festa por lá. Talvez a de São Pedro).

Mais tarde assisti, já numa tenda de circo, a um espetáculo cuja figura central era... um burro que adivinhava.  O circo era mesmo muito “pobre”. Recordo-me que o espetáculo foi à noite e que o frio lá dentro era muito. A tenda foi montada onde hoje é a Rua Alves da Cunha. Naquela altura era campo e meia dúzia de casas em redor.

Os circos, por esse tempo, abundavam em qualquer estação do ano. Iam “rodando de terra em terra” à procura do sustento familiar. Um exemplo do que eram esses pequenos circos fica patente, com a foto em baixo, tirada em 1966 junto a uns prédios da Avenida de Roma.


(Foto retirada do Arquivo Fotográfico de Lisboa)