O Padrão do Senhor Roubado
Houve tempos em que o Padrão do Senhor Roubado foi objecto de romarias. Hoje, é um monumento praticamente abandonado e esquecido do ponto de vista religioso. Sem qualquer intuito ofensivo, pode dizer-se que esse abandono não é de lamentar. Na verdade, foi um equívoco que presidiu a essa prática católica. Regressemos ao ano de 1671.
Na noite de 10 para 11 de Maio de 1671, a Igreja Matriz de Odivelas foi assaltada, sendo furtadas algumas peças e as hóstias. O roubo das hóstias foi pretexto para a injusta responsabilização dos judeus. O ladrão confesso, António Ferreira, um pobre diabo rural e inimputável, foi condenado a morrer na fogueira e ao corte das mãos ainda em vida. Não foi uma história edificante, tanto mais que o seu advogado de defesa e o padre das prisões da capital solicitaram que não o executassem por ser um jovem com problemas do foro mental. Face ao indeferimento desse pedido, tentaram que lhe não cortassem as mãos em vida, para que não se perdesse aquela alma comprovadamente cristã. Este recurso também não foi atendido e o ladrão assistiu ao corte das suas mãos, foi garrotado e queimado, tendo tido uma morte horrorosa, para quem apenas comera as hóstias por ter fome, como os autos relatam, após ter sido sujeito à tortura inquisitorial.
O Padrão foi edificado três quartos de século depois e os seus painéis contam a história de forma truncada e intencionalmente falsa. Com efeito, não se provou ter havido nenhuma ofensa ao Santíssimo Sacramento, o que retiraria justificação para a edificação de qualquer desagravo monumental como o que foi feito.
Em suma, não há nenhuma razão para que o Padrão mereça romarias. Contudo, pela história que está por detrás – que devia ser contada como aconteceu efectivamente – e pela sua singularidade arquitectónica, designadamente pelos 12 belos painéis de azulejo, merece toda a nossa atenção patrimonial.
Jorge Martins
Artigo retorado do jornal “Nova Odivelas”.
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