sexta-feira, 31 de outubro de 2008

As Casas da velha aldeia

(velha casa na Rua Estevão Amarante)
A Ramada anterior à década de 1960, era uma pequena aldeia edificada de um lado e outro de uma antiga estrada que ligava Odivelas a Caneças, seguindo de perto a ribeira, no fundo do vale. Esta estrada passava sobre a ribeira numa ponte construída na base do monte e subia pelo Alvejar e Pedernais Norte, até à Ponte da Bica Aqui voltava a atravessar a ribeira em frente da Tomada da Amoreira. Este percurso era provavelmente mais antigo do que aquele que segue pela encosta e que hoje tem os nomes dos famosos aeronautas nacionais, Sacadura Cabral (Bons-Dias) e Gago Coutinho.
A estrada referida em primeiro lugar e a aldeia que servia, seguiam, contra a corrente da ribeira, de sudeste para noroeste, desde o ponto em que esta deixa de correr de Noroeste para Sudeste e passa a correr para Sul, para se juntar, em Odivelas, a outra que vem do vale da Pontinha.
A povoação era praticamente constituída por uma só rua, agora dividida em duas: Estevão Amarante e Aura Abranches. De cada uma destas saía para norte um caminho ou azinhaga que servia um pequeno número de habitações, construídas nas traseiras da rua principal. Afastadas desta rua havia, de um lado e do outro, algumas casas dispersas.
No primeiro quartel do século XX, todas as estradas eram de terra batida ou, quando muito, beneficiadas com pedra britada calcada precariamente por um “rebolo” , cilindro de pedra puxado por uma junta de bois. Eu andei por aqui em 1932 e l933. Ainda não havia nesse tempo, nenhuma estrada nova, um metro de asfalto que fosse, para aquém da Calçada de Carriche.
A Ramada teria menos de uma centena de casas, de um só piso, algumas das quais foram transformadas, na primeira metade do século XX, com o acrescentamento de mais um andar, e a utilização de telha “marselha”, como se vê ainda, sobretudo no lado norte da rua Estevão Amarante. A maior parte das restantes foram demolidas, para dar lugar a prédios de vários andares, em princípios da segunda metade do mesmo século.
A estas transformações escapou um pequeno número, que hoje, na maior parte, se encontra sem condições de habitabilidade ou completamente degradadas. Entre estas vêem-se ainda algumas cobertas com a velha telha de canudo. Diante da escola primária construída no tempo do regime anterior, estão ainda erguidas as paredes de uma construção robusta, com três portas e três janelas, seguida de um portão ainda em uso e continuada por um muro de pedra negra. No alto das paredes percebe-se, pelos restos de algerozes e beirados, que a cobertura era do tempo da telha de canudo. Apesar de ter três portas, parece tratar-se de uma só habitação, tanto mais que só uma das empenas tem encostada uma chaminé. A boa construção das paredes, o portão e o muro parecem indicar que foi ali a residência de alguém importante. Nas traseiras alonga-se, até à ribeira, um pedaço de terreno plano, que foi horta e pomar de um morador de posses acima da média. Ainda ali estão, viçosas, algumas velhas árvores de fruto.
A um canto deste aglomerado tipicamente rural, uma coisa nos espanta: Dois blocos habitacionais interligados, formando um angulo agudo, em que ninguém repara, parece um enigma. Quem alguma vez olhou para ali com atenção, já viu que se trata de um prédio com duas alas, uma das quais encostada ao monte cortado pela velha estrada. Entrando por um pátio já desabitado, onde houve diversas casas abarracadas, hoje meio destruídas, encontramo-nos no espaço que dava entrada à maior parte dos utilizadores do estranho edifício. Vemos ali dois conjuntos de quatro pisos de apartamentos, servidos por quatro chaminés. Há ainda uma quinta chaminé que parece indicar um aproveitamento exagerado, no topo do bloco da beira da estrada. Entre estas construções e a ribeira, perpendicular à ala do sul há ainda um outro corpo com apenas três pisos. Este, visto de longe, parece que teria ligação interior com o conjunto.. Encontra-se em estado de degradação acelerada.
Aqui deveria entrar a investigação, começando, por exemplo, por consultar, os arquivos do registo predial. A minha vista cansada de noventa anos de serviço, não mo consente. Mas não me fico por aqui. Apresentarei lá mais adiante o que se me oferece a este respeito.


Extracto de artigo escrito por: António Joaquim Mendes Cerejo – Morador da Ramada (90 anos idade)
(Escrito em Abril/2005)


(Patos na Ribeira da Ramada)
Fotos minhas.

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